28 de maio de 2009

fácil, fácil

Já não preciso tatuar seu nome na minha língua
Seu cheiro barulhento continua nos meus olhos
Um sonzinho tão cheiroso que dá vontade de comer
Comer você

Tentei dar um nó no meu nariz
E seu gosto fica em meus ouvidos
Abraço seu peito e fico e durmo e sonho
Sonho você

8 de outubro de 2008

Farol de Lugar Nenhum

A grama é verde. Mas não lá. Nada naquele lugar era verde. O mar sempre azul, a areia amarela, o coqueiro amarelado, cabelo e barba brancos, o barraco com cheiro de café passado. Café nunca tem o tom verde.
O farol sempre foi cor de maresia, cor de cinza-nada com bege. Seus dentes eram amarelados, suas roupas um dia brancas, o cachimbo pitado pela manhã transitava com o cheiro do café. O farol foi sua única companhia por tanto tempo que nem o tempo sabia quanto tempo ele tinha.
Ele fazia daquele farol seu Deus, seu animal de estimação, seu relógio, seu lugar e seu compromisso. Gostava de deitar sobre a areia dura, perto das ondas rasas e balançar mãos e pernas, confundindo-se com elas. Parecia se eternizar, sabendo que as areias ficariam ali muito mais tempo que ele e que naquele momento eles eram um único corpo, sem órgãos, sem idade e sem dores. E ele sorria, gargalhava e soltava frases de sua juventude.
Religiosamente, uma vez por semana o velho barbudo recebia ‘boa tarde’ do carteiro, que, de tantos que passaram e morreram, ele nunca soube o nome desse último. Que sempre chegava sorrindo em um barco ensurdecedor.
Certo dia, pela primeira vez, ele recebe uma carta desconhecida. Até o carteirinho quis saber de onde vinha. O velho entra no barraco com ela em mãos, coloca sobre a arca ao lado de Iemanjá, com o cachimbo apagado no lado direito da boca ele nada faz. Deu alguns passos rápidos, mas o carteiro e seu barco estrondoso já haviam partido. Ele pega a carta e sente o papel sem sobrenome, sem cor e sem odor.
Abre o envelope com tanto zelo que parecia estar trocando uma pequena lâmpada daquele velho farol. Exala-se o aroma de grama com flor. Ele puxa o papel, enxerga apenas poucas letras estranhas, procura seus óculos e começa a leitura: “Sou da ilha do outro lado, ouço sua voz e suas gargalhadas pelas ondas há tanto tempo que nem sei. Gostaria de te conhecer, mas a timidez nunca permitiu. Com carinho, Conceição”. Por um segundo, ele sentiu o farol desmoronar.
Com um meio lápis, ele procura suas folhas esquecidas e começa a escrever nada. Não conseguia, sentia-se na obrigação. Algo que parecia se igualar às luzes longínquas daquela imensa lanterna que ele amava. Ele quase não dormiu, mas sonhou.
Nunca uma semana havia significado algo, mas aquela demorou anos, parecia. Tempo depois, ele, deitado e coberto de areia, ouve o barulhento barco do carteiro. E aquele barulho soava como música de vento composta por passarinhos e tocada pelas gaivotas afinadas. Era ele, o carteiro. E ele sorri, corre, busca sua carta e nem espera o carteiro pisar em terra firme. Lança-se na água morna e entrega ao rapaz. “É para a Conceição, para a Conceição. Vá, agora vá”.
O velho começou a enxergar cores na areia, o coqueiro ganha cheiro e o farol não mudou, apenas perdeu um pouco de luz. O café estava mais gostoso.
Pouco tempo depois, mas parecendo três vidas de areia, o som musical daquele barco colorido começa a surgir. O carteiro apontava de longe e segurava um pedaço de papel em uma das mãos, enquanto sorria. Ele chega e entrega mais uma carta com cheiro de samambaia e cores de vida. Sua conceição, conforme ele dizia para as nuvens, escrevera mais. “Chorei um mar de alegria com suas palavras. Daqui há seis luas eu te farei uma visita. Com amor, Conceição”. O velho dançou, sorriu e chorou para as estrelas. Conheceu a felicidade e engraxou seu único par de sapatos.
Pela manhã, lavou seu palitó, sua calça larga de linho e costurou a meia xadrez. Cantarolou de causar inveja na cigarra. Passaram-se cinco luas. É amanhã, ele pensou.
Acordou, subiu no farol e chorou lamentos de despedida. Um adeus para nunca mais. Aquelas luzes que ajudavam grandes navios a milhas de distância já eram fracas para caber nos olhos iluminados daquele pobre velho.
Passou a tarde em um longo banho feliz, beijava a água murmurando Conceição. Abraçava o cabide e dançava com seu palitó. Vestiu-se, como quem se arrumava para a morte. Por fim, calçou os sapatos, saiu do barraco e fixou os olhos no mar a fim de observar qualquer barco que pudera. O Sol estava se pondo, e também toda sua dor que ele nunca conheceu. A noite vinha lentamente e ele continuava em pé, com o mesmo sorriso, o mesmo olhar esperançoso. Alinhava sua gravata, puxava sua calça. As horas passavam e ele sabia que sua Conceição estava a caminho.
O velho dá alguns passos, leva suas mãos em torno da boca e grita com toda sua força: “Não tenha medo, meu bem”. As horas das estrelas estavam chegando, ele deitou em suas areias e adormeceu.
Quando acordou, saltou com o som de um barco. Quando se aproximou era de seu amigo carteiro. Ele limpa a areia de seu terno, ajeita sua gravata e antes que comece a falar o rapaz diz: “Soube da velha Conceição? Estão dizendo que essa noite ela entrou no mar e não voltou mais. Coitada, tanto tempo sozinha, deve ter enlouquecido”. O carteiro volta para seu barco e vai embora.
O velho deita na areia e, pela primeira vez, sentiu a grama. Seu corpo virara grama. Grama verde e com cheiro de vida.

18 de fevereiro de 2008

Era uma vez a história daqui

Nesse conto não há personagens importantes, nem cenários grandiosos, nem cavalos alados, nem sabor de frutas tropicais, nem tempestades com raios, nem vilões.
Não existem princesas, nem mocinhos, nem espadas, nem moinhos, nem amor proibido.
Não cabem castelos, nem torres, nem calabouços, muito menos duelos de arco e flecha. Nunca houve um dragão se quer, nem uma fadinha e nunca vi um gnomo.
Aqui as emoções são diferentes, os sorrisos podem ser mais falsos, a música não é orquestrada por regentes. As cores são mais vivas, as dores são mais próximas ao peito e os amores são quase sempre no singular.
As palavras já não mais ditas com maestria, mas libertam. Os escritos cutucam diretamente os analfabetos – e eles sorriem. A crueldade não está só, acompanham o sorriso, o prazer, o mal e o bem. O teatro agora(?) não é mais interpretado. Palco é toda a vida e o maracatu não pára de dançar. O agogô perturba, a corda do violão acorda o Sol, o chocalho é frenético e as vozes baleiam.
Poeira é oxigênio.

27 de novembro de 2007

Tão Quanto

Por você entrego minha vida
como um suicida ao avesso.

Se quiser, posso ser tão pacífico
quanto Gandhi ou tão cruel quanto
fui ontem com aquela barata.

Posso ficar tão vermelho quanto uma
goiaba vermelha ou tão branco
quanto uma goiaba branca.

Se não gostar, eu mudo meu quarto
como um travesti muda de roupa
depois da meia noite. Mudo de nome,
de endereço... Menos minhas manias.
Você já faz parte delas.

Posso dormir mais que um urso
no inverno ou ficar tão alerta quanto
um caubói num filme de bang-bang.

Por você eu ficaria tão sossegado quanto
Caymmi ou tão rápido quanto um tamborim.

Se gostar, viajaria mais que uma
aeromoça experiente.

Posso também ser tão sonhador quanto
uma criança no circo ou, se preferir, tão
realista quanto Nietzsche.

Não conseguiria ficar tão rico quanto
uma igreja, ou tão triste quanto um
louco no mundo real.

Mas nossas vidas seriam tão alegres quanto
uma samba de roda e tão suave quanto a voz
de Jobim cantando no tom.

Tornaria seu mundo tão belo quanto
ver Chaplin no cinema.

E te amaria tanto quanto um surdo ama os
olhos, ou tanto quanto um cego ama o som,
ou mais do que amo hoje.

1 de setembro de 2006

Qualquer dos 5

Leve-me à mais distante geleira,
onde o homem congela até as lembranças.
Se ela estiver comigo deitaríamos nus
no algodão branco da neva.

Deixe-me no alto do maior vulcão
que derreta qualquer geleira.
Se ela estiver ao meu lado, as lavas
ensandecidas iluminaria nossa noite e
bronzearíamos nus no vermelho do fogo.

Vou-me até o deserto mais longínquo,
onde até um elefante ficaria desnorteado.
Se ela estiver comigo, faria castelos
na areia onde reinaríamos nus
somente sob o amarelo do Sol.

Suba-me ao mais alto de todos os céus,
onde nenhuma nave consiga me incomodar.
Se ela estiver comigo, voaríamos nus
no azul do infinito, dançando com as cores.
De cima, no meio de qualquer lugar nenhum.

Perca-me na mais fechada floresta,
onde nem as formigas têm espaço.
Se ela estiver comigo, brincaríamos nus
no verde das árvores e com vergonha
dos macacos.


27 de junho de 2006

Grilos e Esperança

A Esperança

Em um pulo impecável o pequeno Grilo invade o quarto sem pedir licença. No começo, pensei que foi simplesmente por ter deixado a janela aberta, mas o bicho parecia ter uma razão para estar ali.
Saltava de um lado para o outro, quase que imediato, quase que desesperador, quase que voava em busca do sabe lá o que... Até o devido momento.
Depois do frenético animal dar a terceira cabeçada na porta do armário, vejo uma nem tão grande, verde e bonitinha Esperança. Daí pude entender a razão da presença daquele pobre Grilo. Ele queria apenas uma companheira, ou apenas sexo, ou apenas um velho amor, ou apenas alguém pra cantar.
A Esperança permanecia imóvel, enquanto o esperançoso Grilo tentava, sem descansar, alcançá-la. Depois de quase uma hora tentando, o apaixonante animalzinho, exausto, perde suas perninhas. E com um olhar dramático – juro que vi uma lágrima – seus olhos foram se fechando calmamente. Ele não agüentara os impactos dos grandes saltos e aguardava lentamente no seu leito de morte o fim de toda aquela dor. A Esperança permanecia lá, imóvel, só observando sem reação alguma.
Enfim, naquele momento eu já estava triste, contudo, nada podia fazer para ajudá-lo. Pude entender que: Pros grilos da vida, infelizmente a esperança é a última que morre.

29 de setembro de 2005

Eu e minha morena

Eu e minha Morena

Quando eu óio procê
minhas vista paralisa,
minhas perna treme e
pra sua direção meus pé desliza.

Quando chego perto docê
as palavra num sai,
sinto umas borboleta na pança
e fico tão besta
que pareço criança.

Vai chegá no dia que
vô catá uma frô
no canterím da dona Maria
pra te dá.
Aí quero vê se um bejim
ocê vai me negá.

Quando essa hora vinhé
vô ta mais chique que o coroné.
Do meu bolso eu tiro um versím,
fico de joelho em frente seus pé
digo tudo que ta dentro de mim.
Cê munta no meu jeguím,
casa cumigo, nóis fica feliz
e ainda faz sete filhím.